Para compreender a Venezuela e o “bolivarianismo”
Recomendo
Gilberto Maringoni ao escrever sobre a Venezuela início o livro com a pergunta: trata-se de uma revolução em andamento? Logo de início, o autor já reconhece que é uma resposta que somente com o devido distanciamento histórico poderá ser melhor respondida. O livro é um escrito de antes da morte de Hugo Chávez e sua sucessão por Nicolás Maduro. Traz um breve histórico venezuelano, com a independência da Espanha no século XIX, Simón Bolívar e a Grande Colômbia (e a fragmentação desta após a morte de Bolívar devido às disputas de poder pelas oligarquias regionais); o início do século XX com a Venezuela sendo um país agrícola despovoado e pobre, sem importância no cenário internacional, até a década de 1920 quando foram descobertos imensos poços de petróleo que passaram a ser explorados por empresas estrangeiras, se tornado assim um país de economia extrativista e importadora de bens industrializados; os governos ditatoriais sob a proteção norte-americana, e a aliança entre as classes dominantes internas (burguesia comercial, bancária e latifundiária) com os monopólios estrangeiros de petróleo; o período de sucessões de golpes militares, breves aberturas democráticas e ditaduras nas décadas de 40 e 50, até o pacto de Punto Fijo em 1958, quando foi instalada uma eficiente “democracia de fachada” capitaneada por dois partidos que se sucediam no poder, excluindo do pacto outros movimentos que haviam participado das lutas pelo fim da ditadura, incluindo a exclusão do partido comunista, sendo adotada uma democracia liberal simpática aos EUA; o período de bonança petroleira na economia venezuelana na década de 70, com uma forte desaceleração posteriormente na década de 80 com a queda dos preços do petróleo, levando ao início da crise econômica na Venezuela; o choque liberalizante em 1989 que causou uma inflação extrema e levou a uma explosão de protestos e tumultos de rua conhecidos como Caracazo, duramente reprimidos pelo governo; o retorno de altos índices de pobreza na década de 90 e a privatização de grande parte da economia. O livro então faz um retorno a partir da década de 60 para um histórico da esquerda venezuelana, com os comunistas que haviam auxiliado na queda da ditadura sendo excluídos do governo civil; a repressão de movimentos sociais pelo governo da “democracia” liberal; as divergências e cisões no partido comunista entre aqueles que defendiam a luta armada a partir da inspiração cubana e os que condenavam a guerrilha; o início do MBR-200 (Movimento Bolivariano Revolucionário) em 1982 a partir da organização de jovens oficiais militares, entre eles, Hugo Chávez; a tentativa de tomada de poder frustrada em 1992 realizada por um grupo de militares dissidentes liderados por Chávez (anistiado em 1994 junto com outros líderes militares que participaram da rebelião de 92); a crescente popularidade de Chávez no cenário político até as eleições presidenciais de dezembro de 1998 em que Hugo Chávez se sagrou vencedor. Em um cenário de supremacia do modelo neoliberal, em que o termo revolução era tido como obsoleto, Chávez iniciou o que ele chamou de revolução bolivariana (buscando soberania nacional e a integração latino-americana), o que se configurou como uma postura anti-imperialista que se afastava da ortodoxia liberal. O governo Chávez também convocou um plebiscito para uma Assembleia Constituinte e a aprovação de uma nova Constituição, que reorganizava os poderes públicos e ampliava alguns direitos sociais. Foram adotadas novas leis que, apesar de não intervirem na ordem macroeconômica, tinhas efeitos que desagradavam as elites econômicas locais e estrangeiras. Cita-se então o período histórico de 2002, quando grandes empresários do ramo petroleiro e do sindicato patronal (com o respaldo norte-americano) organizaram manifestações de rua oposicionistas que, amplamente incitadas e manipuladas pela mídia tradicional, levaram a tumultos que foram o pretexto para uma tentativa de golpe que depôs o presidente Chávez. Porém o golpe foi frustrado devido a amplas manifestações populares pró-Chávez e aos militares de baixa batente leais ao governo. Houve uma nova ameaça golpista no final de 2002 com uma paralisação nacional encabeçada pelo alto escalão do setor petroleiro, que novamente com auxílio popular foi desmobilizada e levou a uma reorganização da companhia petroleira venezuelana. Apesar de ter a pecha de ditador pela oposição e pelo governo dos EUA, são relatadas diversas vitórias eleitorais de Chávez e até mesmo uma derrota governista no referendo sobre mudanças constitucionais em 2007, invertendo o jogo comum em que a direita em seu país passou a ser vista como geradora de instabilidade e desrespeito às leis e a ordem. As políticas sociais e distributivas baseadas no consumo e combinadas com o preço do petróleo no cenário internacional, levaram a uma siginificativa melhoria da qualidade de vida da população dos setores mais pobres, porém o país permaneceu com uma economia dependente das variações do mercado petroleiro. O governo Chávez se caracterizou por sempre manter um amplo diálogo com os setores populares (sempre com alta rejeição nas classes médias e forte apoio nas classes populares), utilizando o aparelho estatal para ações emergenciais que em tempos de hegemonia neoliberal afiguraram-se como ousadas por questionarem o poder global dos EUA. Foram realizadas políticas sociais compensatórias, porém sem transformações gerais nos serviços públicos. De acordo com o próprio Chávez, a revolução bolivariana, que inicialmente buscava a soberania nacional, foi se encaminhando para o que ele chamou de um socialismo do século XXI (que na realidade realizou enfrentamentos pontuais ao modelo neoliberal, mas não se concretizou como uma mudança sistêmica, assemelhando-se mais a um nacional desenvolvimentismo do que a um socialismo). Até o período do fechamento do livro, o autor opina que a revolução venezuelana ainda não havia se concretizado, mas que haviam sido dados passos importantes para um processo ainda inconclusivo. Gostei bastante do panorama venezuelano trazido pelo livro, que nos auxilia a compreender melhor um país bastante caricaturizado pela ideologia liberal.
Leonardo
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