A "persona" da identidade na obra "Sudário".
Recomendo
O quanto conhecemos uma pessoa? O quanto construímos "personas" em quem admiramos, em quem convivemos, em nós mesmos? Como já disse certa feita Clarice Lispector ""Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido." O livro SUDÁRIO é divido em três partes: na primeira parte, Alex Vander se apresenta ao leitor (se é que dá para confiar no que ele diz e em suas memórias) como um grande intelectual, escritor, palestrante e professor. No entanto, Alex Vander não é quem ele é: ele vestiu uma máscara de um amigo, que morreu ou desapareceu durante a ocupação e a perseguição nazista, na Bélgica, com relação aos judeus. A segunda parte narra "a conquista ou a posse" da identidade de Alex Vander. Com a nova persona criada, ele viaja para os Estados Unidos (no navio, ele conhece um médico que, anos depois, o informa de que sua família morreu nos campos de concentração). "Alex Vander" conhece a imigrante Magda e se casa com ela. "Alex Vander" começa a escrever grandes artigos literários e filosóficos e desperta a atenção de intelectuais e escritores norte-americanos. Ele vive durante quase 50 anos uma vida de sucesso e esplendor. Mas nem tudo são orquídeas!!! A jovem Cass Cleave (que sofre de esquizofrenia) descobre quem na verdade ele é. Cass envia uma carta para o eminente intelectual e o convida a ir à Turim para "falar sobre o assunto com ele". Turim, Turim, onde o genial Nietzsche perdeu completamente a razão (aliás, há várias referências a Nietzsche). Temendo que enfim fosse desmascarado e que seu "verdadeiro eu" fosse mostrado a todos, Alex Vander vai encontrar Cass em um hotel em Turim. Um amor não premeditado ocorre (ou quem sabe premeditado!). Um homem já velho, decrépito, que esconde não só o seu passado, a sua identidade, como também a morte de sua esposa; um homem que nunca se interessou por nada que não fosse ele mesmo; um homem que passou tanto tempo com uma máscara colada ao rosto que, quando a tira, seu rosto já se tornara idêntico à máscara que tanto usara durante meio século. Assim como o Santo Sudário que mostra a imagem de uma "persona-divina ou divinizada" que padeceu e sofreu traumatismos físicos com a crucificação e que milhões acreditam se tratar da própria mortalha usada para cobrir o corpo de Jesus Cristo após sua execução, Alex Vander é um homem cheio de cicatrizes, golpes, feridas, em suma, é um homem fraturado: cego de um olho e manco de uma perna pela violência que sofrera nas mãos de dois bandidos que, enviados por Lady Laura, rasgaram sua perna e destruíram o seu olho, ele tenta viver com todas as fraturas na alma e no corpo. Além disso, como o Sudário de Turim, Alex Vander sabe o que é ser "admirado, aplaudido, caluniado, cortejado e adorado" por inúmeras pessoas pelo ser que ele não é (pelo ser enganoso que Axel fabricou e forjou em si e para si mesmo em busca de glórias, reconhecimento, louvores, elogios etc). O "eu" é constantemente analisado por Axel Vander, bem como a identidade e as singularidades de um ser humano. Como ele afirma no final do livro: "Penso na mixórdia que somos. A cidade está quieta nessa época do ano. Os mortos, porém, têm a sua voz. O ar pelo qual me movo é murmurante de ausências. Em breve serei uma delas. Ótimo." Essa foi a minha primeira experiência literária (e "mística", quem sabe!!!) com a obra de John Banville. Pretendo mergulhar ainda mais fundo em suas outras profundezas oceânicas e literárias.
Gilliard
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