Um colo de vó
Recomendo
“O sonho mais doce” de Doris Lessing é um colo de vó. Eu me aconcheguei e viajei nos tempos. O fronte da primeira grande guerra é o cenário onde morrem os primeiros sonhos da família Lennox, antes mesmo do matrimônio entre a alemã Júlia e o britânico Phillip. “Casaram sem alarde: não era exatamente época para festejar uma união anglo-germânica.” O filho do casal, Johnny, recebe formação tradicional em um internato britânico. Todavia, são os escombros da guerra que formam a sua personalidade. Ele se torna um comunista com sonhos libertários e discurso potente, mas suas ações se mostram falaciosas e a sua ausência, como pai e companheiro, é irritante. A sua história deixa um gosto amargo, pois fica a sensação que ele reproduz, sob novos rótulos, tudo o que pretendia superar em relação às gerações anteriores. Frances, sua primeira companheira, sonhava em ser atriz, no entanto, após o nascimento dos filhos, vai percebendo que a sua principal atuação ficaria reservada para dentro de casa. Dentro da casa-palacete de Júlia, a quem o camarada Johny chegava a chamar de fascista, mas era ela, sua mãe, quem abrigava os jovens que procuravam na capital os sonhos prometidos pelo filho. E é Sylvia, enteada de Jonnhy, quem vai à África como médica encontrar a realidade disfarçada nos discursos do pai. A realidade de comunidades inteiras definhando por fome e doença em descampados, onde a UTI do hospital é a sombra de uma árvore. Uma realidade ignorada por Andrew - seu irmão postiço e representante da ONU - nas ações humanitárias a serviço de interesses políticos. As histórias das gerações passadas trazem lucidez ao tempo presente. Fechei o livro com saudades de Doris, do seu colo de vó, onde a dura realidade é contada como o sonho mais doce ou o sonho mais doce é contado como dura realidade.
Camila
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