As (falsas) joias de família
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Este livro foi uma indicação entusiasmada do Lucas, do canal do YouTube Diário de Leitura. Ele descreveu o livro como “uma verdadeira joia”. Joia falsa ou verdadeira, aliás, é uma questão bem discutida nesta história, não só literalmente. Ela serve de metáfora para retratar, através da história de vida de Maria Bráulia Munhoz, a hipocrisia da burguesa sociedade paulistana. A narrativa começa com Maria Bráulia já idosa e viúva, moradora do 9º andar de um prédio no Itaim Bibi, onde também mora sua fiel escudeira Maria Preta, há anos sua empregada e que “é como se fosse da família”. “Em algumas circunstâncias isso quer dizer exatamente o que enuncia: que Maria Preta é como se fosse da família. Em outras, que Maria Preta não é como se fosse da família, uma vez que não é da família, é apenas “como se fosse””. - págs. 8/9. E Maria Preta nem é o seu nome, é só uma forma de diferenciá-la das outras Marias (incluindo sua patroa) que viviam ou frequentavam a casa da Eugênio de Lima quando Maria Bráulia era jovem e seu marido, o juiz Munhoz, ainda era vivo e em plena atividade. Inclusive com seu secretário-fisioterapeuta. Por causa de um inventário de suas joias - que começou com o valioso rubi sangue-de-pombo -, feito por seu secretário Julião, que na verdade é sobrinho de seu falecido marido, a viúva começa a se recordar do passado a partir de seu relacionamento com o juiz. Juiz esse que “nesses anos de Estado Novo nunca havia se metido com política nem havia de.” Mas “tinha dois ou três galinhas-verdes [1] como amigos”. - pág. 54. As recordações de Maria Bráulia duram um único dia, mas nos revelam como a antes rica e ingênua jovem vai, graças ao marido e ao mais-que-amigo joalheiro Marcel aprendendo sobre o que é falso, sobre ser falso e ter “seu rosto social (…) firmemente afivelado ao natural” - pág. 21. “Agora Braulinha seu casamento é um pouco como esse rubi. Você sabe e eu também sei como ele é. Tem dentro dele uma pequena inclusão (…), eu sei e você sabe qual é (…). Vamos então aproveitar essa inclusão para produzir com ela um bonito efeito-estrela (…). Acho que você está me entendendo Braulinha.” - pág. 52. Ah, gente, sensacional! Em menos de 100 páginas Zulmira Ribeiro Tavares, com sutileza e ironia, faz um retrato perfeito da tradicional família brasileira e suas (falsas) joias de família. NOTAS: [1] Galinhas-verdes era como eram chamados os integralistas, partidários da Ação Integralista Brasileira (AIB), partido nacionalista católico de extrema-direita inspirado nos princípios do movimento fascista italiano. Fonte: Wikipédia. Por Joias de Família a autora recebeu o prêmio Jabuti em 1991 nas categorias Livro do Ano de Ficção e Romance. Em 2015, um rubi birmanês de 25,59 quilates estabeleceu um novo recorde mundial ao ser vendido por U$ 30,3 milhões em um leilão organizado pela Sotheby’s na Suíça. Era um sangue-de-pombo encaixado num anel Cartier. O comprador anônimo fez o lance pelo telefone. SOBRE A AUTORA: Nasceu em São Paulo, em 1930 e faleceu em 2018. Fez curso de formação em cinema no MASP e trabalhou como crítica de cinema. Escreveu poemas, ensaios, ficção, fazendo também uma fusão destes gêneros. Joias de Família, junto aos livros O nome do bispo e Café pequeno “formam uma pequena e ácida trilogia familiar, que desmascarara os convencionalismos da classe burguesa paulistana, ensaiando sua ruína.” (Luciano Dias Cavalcanti, em A mentira encenada em Joias de Família, de Zulmira Ribeiro Tavares).
Denise
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