Além da literatura de gênero
Recomendo
Primeiro (é óbvio), o argumento do livro de Christa Wolf: Cassandra foi uma sacerdotisa do templo de Apolo, filha dos reis de Troia, que profetiza a tragédia final de sua cidade, mas é completamente ignorada por todos. Quando o deus do Sol apaixonou-se por ela, segundo uma versão, deu-lhe o dom da profecia, mas, ao ver rejeitado seu amor (ou, mais cruamente, a posse carnal), não podendo retirar seu presente, retirou de Cassandra o dom da persuasão. Assim, a sacerdotisa pode profetizar o que bem entender, mas ninguém jamais acreditará em qualquer palavra dela. Agora, passemos ao livro, que é apresentado em duas partes principais: a principal delas é a narrativa (recriação) do mito, em uma linguagem densa, lírica, enigmática e em um fluxo de consciência que pode desanimar qualquer leitor (a bem da verdade, se estiver com sono ou muito cansado, vá ler outro livro); a segunda parte é formada por algumas, assim chamadas pela autora, conferências (seria melhor dizer narrativas de viagens com digressões de teor vário), mostrando a obsessão da autora pelo mito de Cassandra e de que forma o livro foi construído no decorrer do tempo e de várias viagens. Sim, tenho consciência de que a linguagem do livro pode desanimar, mas é completamente adequada ao que se propõe. Afinal, uma filha de rei, sacerdotisa, profetisa, visionária, quase onisciente em suas ideias e ações, não poderia se expressar (exprimir) de outra forma que não fosse um fluxo de consciência formado por uma teia avassaladora de meandros. Enfim, um excelente livro, mas não espere entretenimento inócuo. E, mais uma vez, perdoem-me a sinceridade, mas prefiro ver o livro como um exemplo da grande literatura e não como algo restrito a um termo, por mais empoderador (eta palavrinha chata de tão repetida!) que seja. “Cassandra”, de Christa Wolf, não é meramente um exemplo da alta literatura feminista. “Cassandra”, de Christa Wolf, é um exemplo da mais alta literatura. Ponto.
Luiz
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