Murakami é F***
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Eu queria muito economizar a paciência do meu leitor e resenhar 1Q84 com apenas três palavras: Murakami é f*** Terminaria aqui. Eu estaria satisfeito. Mas acho que isso não convenceria muita gente, nem a mim mesmo. Eu tenho que me obrigar a pôr mais palavras aqui, mais adjetivos, mais verbos, só para satisfazer minha vontade de exaltar esse livro. Ele merece muito mais do que tenho a oferecer, já que ele me deu muito mais do que eu esperava. Comecei a ler 1Q84 sem saber do que se tratava a história. No escuro mesmo. Só sabia que ele era elogiado. Diziam que o autor era incrível. E é verdade. Murakami é muito hábil com as palavras. Coincidentemente, Tengo, um dos protagonistas, é também um escritor habilidoso. E esse tipo de metalinguagem só funciona quando ela é verdadeira. Sabemos que Tengo é bom porque Murakami é bom. Mas por que ele é bom? Essa é parte complicada. Em geral, é muito difícil um escritor reconhecer a qualidade da própria escrita. Eu, como escritor, não consigo. Eu tenho consciência que sou capaz de colocar palavras uma atrás das outras e dar a elas um sentido. Mas o que tornar isso... bom? Alguns podem dizer que é a fluidez. Outros, que é o sentimento exprimido. Claro, a gramática e o domínio da linguagem são essenciais. Um pintor não é um pintor se ele não sabe misturar tintas. Mas o que torna um pintor bom é mais que o domínio do pincel. É identidade de sua arte. Todo mundo pode aprender a pintar; qualquer um pode escrever. Até um robô, hoje, é capaz de pintar e escrever. Mas o que torna um autor bom, a meu ver, é sua capacidade de transmitir sentimentos de um jeito único. Isso é: eu não só coloco palavras uma atrás das outras, eu faço isso do meu jeito. Escrever bem, portanto, é dominar a linguagem e... conhecer a si mesmo. Difícil, né? Acho que foi por isso que amei tanto 1Q84 (parte I). Tá, a história é incrível. É cheia de mistério, paralelos fantásticos, diálogos inteligentes, personagens duvidosos e um escritor sem vergonha de seus vícios (a gente entendeu que você gosta de peitos, seu japonês safado). Mas o que eu gostei mesmo nesse livro foi a ousadia do autor em colocar espelhos em todas as páginas: ele não só está brincando com a realidade, multiplicando-a infinitamente, mas nos obrigando a olharmos nossos reflexos à procura da nossa própria, e única, identidade. Murakami é f***
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