O autor às voltas com ele mesmo na forma de médico e monstro
Recomendo
Só vim a conhecer Paulo Roberto Pires por causa da coluna na nova versão da Época. É uma coluna venenosa quase toda semana (é uma constatação, não uma crítica: o grosso do charme está no veneno que faz com que só os carentes queiram conhecer o jornalista pessoalmente) e eu queria saber que tipo de literatura ele fazia. Cheguei a esse "Se um de nós dois morrer" e descobri: o tipo de literatura narcisista que o crítico faz para dançar consigo mesmo e suas personas (outra mera constatação). Théo, projeto de escritor continuado que morre e deixa instruções para a ex (ir a Paris, espalhar suas cinzas no cemitério de Montparnasse, encontrar Vila-Matas), é a versão médico do autor. Um tal "PrP" é o monstro, que a personagem Sofia faz questão de execrar (nomeia-o "Abominável", "Ceifador", "Nefando"): editor sanguessuga, crápula, mercenário e tóxico. O livro está cheio de tiradas bem à Paulo Roberto Pires colocadas nas cartas e rascunhos de Théo: deboche a turistas, deboche a pessoas que ficam escrevendo coisas em cafés parisienses, deboche à moda dos Moleskines, deboche a escritores pretensiosos, deboche a estilos de vida. Além das tiradas, o que marquei do livro foram os ensinamentos sobre "A arte de abandonar livros", que mostram como criar uma situação perfeita para o abandono de um livro específico num local público, e as "Estatísticas & fatos", um rol de curiosidades que Théo acumulou sobre escritores. Exemplo: "James Joyce escreveu partes do Ulisses num apartamento onde viviam 17 pessoas". Um bom livro. Só não é "muito bom" porque o muito bom do autor está mesmo nas colunas semanais cri-cris que nos deixam tensos de sobreaviso só de ler o título no sumário. Na minha opinião, esse é o personagem "muito bom" que o autor criou para si mesmo: alguém "temperamental" que a gente lê com vontade e vibração, mas detestaria ter como vizinho ou parente.
Barbara
• Via Amazon