Mais um ótimo livro do Tezza
Recomendo
O espírito da prosa - uma autobiografia literária [2012] Cristovão Tezza (Brasil, 1952-) Record, 2012, 224 p. _____________________________ “Volto ao começo. O que me levou a escrever foi um misto de infelicidade e esperança, embora eu não soubesse disso no momento em que produzi a minha primeira frase literária: o nascimento da obra, digamos assim, para definir com alguma pompa o que não tinha nenhum valor autônomo além de um desejo. Comecei, de fato, copiando formas de livros” (pág 31). . Depois de ler “O filho eterno”, publicado em 2007, o relato contundente onde o escritor catarinense (radicado em Curitiba) Cristovão Tezza aborda os desafios da relação de um pai com o filho portador de Síndrome de Down, eu vi que estava defronte de um grande escritor! A sensibilidade do livro, narrando as dificuldades diárias, as redescobertas, a esperança nascedoura onde florescem os mais nobres sentimentos, tudo ali aflige e alegra. . Antes de ler o volume que agora pontuo minhas impressões, eu também já havia lido dele o “Beatriz”, volume de contos publicado em 2011, alguns interessantes, outros nem tanto. O cenário sempre é a cidade de Curitiba, onde floresceram a pena e a verve de Tezza, terreno propício para encontros e desencontros explorados sempre pela protagonista Beatriz. . Então, a minha natural curiosidade pela vida dos escritores. Que costumam legar em volumes de não-ficção toda a sua trajetória que culminou com o ofício de escrever - me levou a ler a sua autobiografia. É um livro cheio das memórias, dos mais erros que acertos, das referências culturais, dos caminhos alternativos, de fato um exercício honesto de redescoberta e reimersão nas trilhas que o levaram ao encontro da literatura. Ali, o autor também desabafa mais de uma vez a frustração das primeiras obras, livros fracos, sem identidade, sem a presença do autor. “Um escritor ausente de sua frase é a derrota do texto”, diz Tezza. Relata a auto-construção do escritor, num ambiente ideológico e culturalmente efervescente, a cuja atenção Tezza despendeu muito de si e que acabaria refletindo no que então escrevia. . O bom de livros como este é fuçar na origem de tudo, do porquê e do como aquele autor acabou se tornando um artífice da palavra. Gosto particularmente de saber o ambiente onde foram criados, quais as lembranças que recheiam os livros que escreveram, quais fantasmas procuram ser purgados com algum tipo de redenção literária. Também vemos que todo bom escritor leu muito e muitas coisas, que, em geral, teve uma existência difícil e desengajada de alguma forma (aqui reitera meu ponto do porquê Hemingway é um escritor medíocre: um cara que curtiu a vida como ele, que fez o que amou, que viveu de forma intensa, que estava tão apegado à vida que no momento em que percebeu a ruína, se deu um tiro fatal, não poderia produzir nada bom em matéria de literatura. “O sentimento de inadequação parece ser o primeiro motor de quem escreve a sério. O que nos leva a um paradoxo interessante, que é em si uma inadequação metafísica: a felicidade não produz literatura”, diz uma vez mais o Tezza. . Depois de uma frase dessas, o que mais dizer? Vale!
Paulo
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